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Os sinais de desaceleração da
economia começam a ficar evidentes. Os grandes bancos funcionam em bases
sólidas. Não há notícias de que empresas brasileiras estejam altamente
alavancadas em derivativos, como ocorreu no segundo semestre de 2008. E, além
dessas diferenças entre as condições brasileiras para o enfrentamento da crise
de 2008 e hoje, há informações até então desconhecidas sobre os efeitos de
políticas anticíclicas no país, sejam fiscais ou monetárias. O quadro em 2011 é
mais claro.
Em 2008, o que se sabia da
experiência histórica do país era que, ao menor sinal de turbulências no
mercado internacional, a resposta da política econômica no Brasil era sempre a
mesma: aumentar a taxa de juros para atrair capitais e fechar as contas do
balanço de pagamentos. E, quando possível, apertar as condições fiscais para
garantir a solvência do governo. Era a reação clássica de um país acostumado
com crises cambiais. O Brasil nunca havia feito política monetária
contracíclica e as autoridades temiam seus efeitos, avaliam fontes que estavam
no governo em 2008.
Por outro lado, descobriu-se no
início das turbulências daquele ano que empresas brasileiras estavam com
elevadíssima alavancagem em derivativos cambiais, expostas em cerca de US$ 40
bilhões, com contratos recheados de truques e gatilhos. Uma redução precipitada
dos juros e a desvalorização mais acentuada da moeda doméstica poderiam agravar
a situação.
Além do mais, a toda
desvalorização do câmbio no país seguia-se a elevação da inflação. No segundo
semestre de 2008, a economia ainda estava com crescimento acelerado e as
expectativas de inflação esbarravam no teto da meta (6,5%). Foi nesse ambiente
que o Copom fez a reunião de outubro, após a quebra do Lehman Brothers em
setembro, quando os créditos externos para o Brasil já haviam secado e a
liquidez bancária estava empoçada, com grandes dificuldades para instituições
de pequeno e médio porte. Em 29 de outubro, o comitê decidiu manter a Selic em
13,75% - após a alta de agosto. Em dezembro, ao contrário do esperado, o Copom
manteve os juros inalterados, sinalizando com redução só a partir de janeiro de
2009.
Esse foi um dos momentos em que o
Copom recebeu mais críticas por parte de economistas e analistas de mercado. E,
também, de políticos como o ex-governador José Serra, que considerou aquela foi
uma oportunidade perdida para o país ousar em busca de taxas mais módicas de
juros. O BC poderia ter reduzido a Selic em quatro pontos percentuais durante o
ciclo recessivo que se iniciou então, argumentava o governador de São Paulo.
Revisitando a história recente, é
possível descobrir alguns fatos não divulgados à época. Poucos dias após a
quebra do Lehman Brothers, em 15 de setembro, os diretores do BC tiveram uma
conversa em São Paulo. Alexandre Tombini, então diretor de Normas, foi o único
a opinar a favor da redução dos juros naquele momento. O que foi ouvido com
certa perplexidade pelos demais presentes.
Na reunião de dezembro, Tombini
foi mais incisivo e posicionou-se totalmente a favor da redução da Selic.
Outros diretores foram contra e ele chegou a dizer que não estava convencido
dos argumentos contrários, mas votou com os demais pelo adiamento da decisão
para janeiro. Naquela reunião, o Copom foi unânime, mas a ata trouxe um
malabarismo verbal que deu o que falar.
Ela dizia que as restrições
financeiras em curso poderiam esfriar a demanda e, portanto, conter a inflação.
Nessas circunstâncias, a maioria dos membros do Copom discutiu a redução de
0,25 ponto percentual da Selic. Mas prevaleceu o entendimento pela manutenção
da taxa inalterada até o mês seguinte, janeiro, quando o corte foi de um ponto.
A direção do BC em 2008 se preocupou mais em fornecer liquidez para o sistema
bancário e suprir o crédito em moeda estrangeira, que havia desaparecido,
centrando todas suas atenções para evitar uma crise financeira no país.
À parte os engenheiros de obra
feita, o fato é que ficou marcado na história da política monetária que o BC
perdeu ocasião de ouro para reduzir os juros, como, aliás, fizeram os demais
países. A experiência daquele período passou a pautar as análises do atual
governo. Tudo o que não se quer nessa crise, dizem fontes oficiais, é repetir o
"erro" de 2008. Ao contrário, a avaliação que se faz no governo - em
meio às preocupações quanto às dívidas soberanas dos países da zona do euro e o
temor de uma recessão global - é que há boas possibilidades para o Brasil
aproveitar a maré e, finalmente, reduzir os juros.
A favor dessa ideia há vários
argumentos. Diferentemente de 2008, o agravamento da turbulência externa
coincide com a desaceleração da economia brasileira. Ontem saíram dados do IBGE
sobre o varejo, que mostram desaquecimento moderado. As vendas cresceram 0,2%
em junho sobre maio.
As empresas que não quebraram
aprenderam com o susto dos derivativos e hoje estão mais comportadas. Os
efeitos de uma desvalorização do câmbio sobre a inflação podem ser
neutralizados pela queda nos preços das commodities que o Brasil exporta,
atenuando, assim, as pressões sobre preços domésticos. Em 2008, isso não era
claro, explicam fontes da época.
Há, portanto, melhores condições,
estruturais e conjunturais, para se administrar uma política monetária
contracíclica e forma-se um consenso, no mercado e no governo, de que a crise
na Europa, EUA e Japão pode ajudar o país a começar a remover sua maior
aberração: a de campeão de juros.
Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico
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